Agora, até papéis do Brasil poderão ser usados como garantia para bancos dos EUA tomar empréstimo do Fed
Nova York - O derretimento do mercado financeiro dos EUA coloca o Brasil numa posição nunca antes vista. É que uma das medidas tomadas pelo Federal Reserve (o Banco Central norte-americano) permite agora o uso de papéis com o chamado “grau de investimento” como garantia para empréstimos de curto prazo. O governo brasileiro e várias empresas do país emitem títulos com essa classificação.
Ou seja, um bancão dos EUA em apuros poderá tomar dinheiro de curto prazo do Fed e oferecer como garantia sua carteira de papéis emitidos pelo governo Lula.
Quem diria, numa crise dessas, passou a ser um bom negócio ter na gaveta títulos da dívida de um país do Terceiro Mundo como o Brasil.
No seu comunicado do fim do dia ontem , o Fed deixou isso bem claro:
“O ‘colateral’ [garantia] para o ‘Term Securities Lending Facility (TSLF)’ também foi ampliado; os ‘colaterais’ aceitáveis para os leilões ‘Schedule 2’ agora vão incluir todos os papéis de dívida com grau de investimento. Antes, eram aceitos apenas títulos do Tesouro, papéis de agências e títulos imobiliários classificados como AAA”.
“Essas mudanças representam uma significante ampliação nos tipos de ‘colaterais’ aceitos”, diz o Fed, pois a medida “deverá aumentar a efetividade dessas linhas de crédito para dar apoio à liquidez dos operadores e dos mercados financeiros de maneira geral”.
Resumindo, bancos problemáticos podem bater na porta de Ben Bernanke, o presidente do Fed, e pedir dinheiro emprestado de curto prazo oferecendo papéis da dívida brasileira como garantia.
E não é pouco dinheiro que o Fed colocará à disposição.
Os leilões “Schedule 2 TSLF” serão agora realizados semanalmente. Antes, eram a cada duas semanas. O Fed quer irrigar o mercado com dólares facilitados: o valor oferecido nesses leilões será aumentado de US$ 125 bilhões a cada duas semanas para US$ 150 bilhões por semana –mais do que dobrou a oferta. Já os leilões “Schedule 1” serão mantidos em US$ 50 bilhões.
Várias outras facilidades para os bancos tomarem dinheiro emprestado estão sendo adotadas. Vão valer até 30 de janeiro de 2009, mas esse prazo pode ser ampliado –nunca é demais lembrar que o próximo presidente dos EUA, Barack Obama ou John McCain, toma posse em 20 de janeiro.
E, agora,um comentário sobre a crise.
Antes que todos comecem a dizer que esta segunda-feira é uma réplica da 1929, alto lá.
A natureza da atual turbulência é bem diferente. É claro que o sistema financeiro está cheio de buracos, a mão invisível do mercado não resolve tudo etc., mas há alguns fundamentos muito mais sólidos na praça.
Para começar, 98% dos bancos nos EUA têm garantias sólidas para seus clientes. A agência federal que garante depósitos no país (a FDIC, criada de 1933, depois da crise de 1929) dá segurança para valores até US$ 100 mil para um correntista bancário –em cada uma das contas que esse cidadão tiver em diferentes bancos. Para dinheiro aplicado em fundos de pensão, a garantia total é de até US$ 250 mil.
Também digno de nota: o Federal Reserve jogou duro nos últimos dias, ao longo do fim de semana. Os gatos gordos do setor bancário queriam uma injeção na veia de dinheiro público, “free of charge”. O britânico Barclays veio com uma conversa mole de ficar só com a parte boa do Lehman Brothers. O Fed disse não. Por isso o Lehman Brothers faliu e a Merrill Lynch foi vendida para o Bank of America por menos da metade de seu valor de um ano atrás.
OK, o Fed vai conceder esses curiosos empréstimos mais facilitados de curto prazo para dar liquidez ao setor. Tudo bem. Mas o dinheiro não está sendo jogado pela janela. É empréstimo.
Também parece que vingou a iniciativa do Fed de forçar a colaboração de alguns bancões em situação não tão desesperadora. Dez grandes instituições (Goldman Sachs, Citigroup, Barclays e Morgan Stanley, entre outros) vão colocar US$ 7 bilhões cada uma (US$ 70 bilhões no total) para criar um fundo especial. Esse dinheiro deve ser usado para empréstimos a bancos e instituições financeiras em situação complicada.
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